OPINIÃO
No cenário atual das comunicações digitais, a desinformação emergiu como uma poderosa arma política que não se baseia em mentiras flagrantes, mas sim na manipulação sutil dos fatos. A complexidade da desinformação reside na sua capacidade de mesclar elementos factuais com informações descontextualizadas, criando narrativas que parecem verossímeis, mas que, na realidade, distorcem a verdade. Desinformação não é sinônimo de mentira.
A desinformação moderna é mais sofisticada do que simplesmente espalhar mentiras. Em vez disso, ela utiliza fragmentos de verdade, removendo-os do contexto original e inserindo-os em novos contextos que alteram seu significado. Esse processo de descontextualização torna a desinformação especialmente perniciosa, pois é mais difícil de detectar e desmentir.
Essa estratégia de desinformação não apenas confunde o público, mas também mina a credibilidade das fontes confiáveis. Quando factos são manipulados e apresentados de forma enganosa, as pessoas começam a questionar a veracidade de todas as informações que recebem, criando um ambiente de desconfiança generalizada. Isso é particularmente evidente em plataformas de mensagens criptografadas, como o WhatsApp, onde a disseminação de conteúdos falsos é facilitada pela dificuldade de rastrear a origem das informações.
Fonte: reprodução/Internet
A crise climática no Rio Grande do Sul (RS), que resultou no alagamento de 475 municípios, cerca de 85% do território gaúcho, evidencia o cenário caótico das fake news. Até o dia 01 de junho de 2024, às 09h, o balanço da Defesa Civil do RS registrava mais de 580 mil pessoas desalojadas e mais de 2,3 milhões de afetados. Diante desse contexto, é visto que as atividades de mitigação e resposta à crise ambiental e social no RS foram prejudicadas por uma campanha de desinformação intensa e coordenada.
O fenômeno da desinformação é particularmente evidente em crises e eventos de grande impacto social, onde a urgência e a confusão do momento tornam o público mais suscetível a acreditar em informações enganosas. A desinformação, ao se entrelaçar com elementos factuais, ganha uma aparência de credibilidade que torna mais difícil para o público discernir a verdade.
No caso específico das crises climáticas, como as enchentes no RS, a disseminação de desinformação pode ter consequências severas. Segundo o levantamento AtlasIntel/CNN Brasil, 65,2% dos moradores do estado acreditam que as fake news prejudicam a gestão das emergências. Isso demonstra como a manipulação informativa pode complicar ainda mais a resposta a desastres, comprometendo a eficácia das ações de socorro e recuperação.
Influenciadores digitais e políticos de extrema-direita, conforme revela o estudo do Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais (Netlab), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), utilizam a compaixão gerada por desastres para autopromoção e propagação de desinformação, fortalecendo suas agendas políticas e minando a confiança no governo. Exemplos incluem a atuação de agentes desinformadores como a produtora Brasil Paralelo, a Revista Oeste e figuras como Ricardo Felício, que promovem conspirações e negacionismo ambiental. Esses agentes utilizam plataformas digitais e anúncios pagos para amplificar seus discursos, mostrando a coordenação estratégica por trás da disseminação de desinformação.
Entre os principais difusores de desinformação durante a tragédia climática no RS, destaca-se Pablo Marçal, que acusou a Polícia Rodoviária Federal de impedir que doações chegassem às vítimas. Políticos como Eduardo Bolsonaro e Cleitinho Azevedo também foram identificados como disseminadores de desinformação climática, contribuindo para um cenário onde a veracidade é constantemente distorcida para servir a interesses políticos, econômicos e social.
É observado que os produtores de desinformação exploram o ambiente digital para atrair usuários com conteúdos sensacionalistas e controversos. Os algoritmos de recomendação das plataformas amplificam essa desinformação ao direcionar usuários para conteúdos que geram maior engajamento. Isso cria um ciclo de retroalimentação, onde a desinformação é promovida para atrair atenção, impulsionada por algoritmos que recomendam conteúdos polarizadores e sensacionalistas, e financiada por anúncios programáticos que lucram com o aumento do engajamento.
Nessa conjectura, a combinação de verdades parciais com falsidades transforma a desinformação em uma ferramenta poderosa para manipular a opinião pública e manter relações de poder. O teórico da comunicação John B. Thompson observa que a ideologia frequentemente envolve distorcer a realidade para servir a interesses específicos. No contexto da desinformação, isso se manifesta na criação de narrativas que, embora baseadas em fragmentos de verdade, são usadas para perpetuar agendas ideológicas ou políticas.
A análise da Netlab sublinha a complexidade e a gravidade do ecossistema de desinformação, ressaltando a necessidade urgente de medidas eficazes para combater essas práticas enganosas. A manipulação de informações verdadeiras, descontextualizadas para criar narrativas persuasivas, destaca a natureza insidiosa da desinformação, que vai além de simples mentiras para se tornar uma ferramenta poderosa de propaganda ideológica.
Em suma, a desinformação não é simplesmente uma questão de mentiras. É uma questão de manipulação sofisticada da verdade, onde elementos factuais são usados descontextualizados para enganar e influenciar o público. Reconhecer essa nuance é fundamental para entender e combater a ameaça que a desinformação representa para a sociedade.
Portanto, é crucial que as estratégias de combate à desinformação incluam a alfabetização midiática, o fortalecimento do jornalismo investigativo e a responsabilização das plataformas digitais. As plataformas devem adotar políticas mais rigorosas para identificar e remover conteúdos enganosos, e os governos precisam implementar regulamentações que incentivem a transparência e a responsabilidade online.
Além disso, o público deve ser encorajado a desenvolver um pensamento crítico em relação à informação que consome, questionando a veracidade e a fonte dos conteúdos compartilhados. Educar as pessoas para reconhecer as técnicas de manipulação utilizadas na desinformação é um passo essencial para mitigar seu impacto.
A luta contra a desinformação exige uma abordagem multifacetada, que vá além da simples correção de fatos. É uma batalha pela veracidade, pela confiança nas instituições e pela integridade das nossas democracias. Somente mediante um esforço coletivo e consciente poderemos enfrentar a complexidade da desinformação e proteger a sociedade dos seus efeitos perniciosos.
EM TEMPO
No dia 29 de maio de 2024, o Congresso brasileiro decidiu manter o veto de Jair Bolsonaro que barrou a criminalização das fake news. Parlamentares do Partido Liberal, Republicanos, Partido Progressistas, União Brasil, Partido Social Democrático, Movimento Democrático Brasileiro e Podemos formaram a ampla maioria que autorizou a continuação da disseminação de notícias falsas como prática de comunicação. Este veto foi originalmente decidido por Bolsonaro em 2021, quando o ex-presidente revogou a tipificação do crime de comunicação enganosa em massa, prática que envolve a disseminação de fake news, e que previa uma pena de até cinco anos de reclusão.
Quem se beneficia ao vetar uma lei destinada a combater as informações falsas disseminadas pelas plataformas digitais para o povo brasileiro?
Por Thiago Henrique de Jesus Silva, doutorando em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Jornalista pelo Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do Maranhão (UNIFACEMA). E membro da COAR Notícias. Nas plataformas digitais, é conhecido como Thyago Myron.