Empresário do ramo da vaquejada, Paulo Maratá, é apontado como dono do terreno; atividade à margem da lei foi embargada
“Pi! Pi! Pi! ”. Não! Não se trata do choro do Chaves – antes fosse. Esse foi o barulho feito pelo “devorador de ferro”, uma escavadeira da Construtora São José, que, até então distante, avançou veloz sob um terreno privado, cercado por casas. O barulho do maquinário passou a ser ouvido durante parte da semana, cada vez mais próximo. Até que um dia, um dos moradores nos informara do que se tratava.
“Quinta”, é assim que os moradores da Travessa José de Freitas, bairro do Engenho, em Pedreiras, interior do Maranhão, chamam a área. A paisagem verde, de outrora, era, em grande parte, formada por mato. Se destacavam no enquadramento, dois pés de coco e uma mangueira, mais antiga que muitos moradores, colocada abaixo em minutos. O estralo do caule resistindo foi a trilha sonora e o sol a testemunha, além de nossas lentes que registraram o ocorrido, na tarde de sexta-feira (05).
“Triste! Lamentável presenciar aquelas cenas de derrubada das árvores, o som da lâmina daquele trator destruindo tudo que a natureza levou anos para construir. A ação devastadora do homem levou segundos para destruir. Nunca mais vou tomar café ouvindo o canto dos pássaros comendo as bananas, que a gente fazia questão de deixar só para ouvir o canto deles. Ontem foi um dia triste para os moradores da travessa, que têm suas casas com fundo para aquela área de terra. Não tiraram só as árvores, ali tinha uma história de meninos e meninas e de uma comunidade que sonha com um lugar melhor para se viver”
Relatou uma moradora, sobre as cenas que viu, no sábado (06).
Também foram ao chão os pés de mandioca, plantados pelos moradores. Em tempos de crise, reforçava a alimentação por certo período. A aproximação da escavadeira os fez agir com pressa, para salvar as raízes, que quando cozidas, integram o cardápio de algumas das famílias. Aos que plantaram cheiro-verde, foi dado prazo de 18 dias.
Para parte dos moradores das ruas próximas, a derrubada foi dura. Ao despencar, empurrada pela lâmina do “devorador”, levou consigo anos de memórias forjadas sob sua sombra. Na época em que não havia, por exemplo, o Parque João do Vale, a “Quinta” era a “política pública” que alcançava a meninada, espaço no qual ocupavam suas mentes. A pelada no campinho de terra salvou muitos adultos que descem e sobem o “alto do rói corro”, como é conhecida a travessa.
Mas o terreno tem dono, o empresário do ramo das vaquejadas, Paulo Maratá, que já fora prefeito de Trizidela do Vale. Uma verdade que ele fez lembrar sem comunicação prévia e o mais grave, sem documentação, à margem da lei e à revelia das autoridades ambientais do município de Pedreiras, que foram ao local no domingo (07) – três dias após o início da limpeza no terreno – incluindo o secretário Aldeclei Farias, que teria lavrado um Auto de Infração e embargado a obra. A informação foi obtida junto a um dos integrantes que visitaram o local na manhã de domingo.
Esta fonte, via ligação, também confirmou a existência de um brejo nas proximidades das casas localizadas na Otávio Passos, informação antes externada por moradores em diálogo com O Pedreirense. Na tarde de domingo registramos a área alagadiça, condição que perdura durante o ano, o que reforça a possibilidade de que haja, pelo menos uma nascente de água.
Segundo informações obtidas de moradores da Rua Otávio Passos – onde fora adquirida uma casa estreita, que ao ser derrubada serviu de entrada para a escavadeira – a obra foi embagada em razão de não haver a documentação necessária permitindo a atividade, mesmo em um terreno privado.
Segundo relato de um dos moradores ouvidos pelo jornal O Pedreirense, a preocupação veio junto à escavadeira.
“Quanto a entrada, não dá 4 metros. Aquilo é um absurdo! Não sei como um vizinho permitiu a entrada de um carro ali. Não é uma via de circulação de carro. No momento que passa o primeiro, ele já exerce uma força no chão e vai afetar a fundação da casinha do lado.”
Além dos impactos já sentidos, danos futuros geram temor, em especial, nos que moram na Otávio Passos. A preocupação não é vã, pois na mesma cidade localiza-se o bairro Maria Rita: um antigo loteamento construído à margem da lei, sem culpados punidos e os sonhos prometidos se converteram em poeira e muita lama no período chuvoso. Em 2022, por impacto de outros empreendimentos que alteram o ambiente, casas sofreram graves danos e seus donos perdas materiais.
Karla Karoline, uma das moradoras da Piçarreira, relata o momento em que a escavadeira fez o desmate nas proximidades de sua casa. “Quando foi sábado, vieram, continuaram, cortaram os matos daqui. Pela tarde, simplesmente por volta de meio-dia, uma hora, mexeram numa caixa de abelha. Elas começaram a se espalhar por nosso bairro Goiabal. Nos quintais haviam três cachorros amarrados. Simplesmente não teve como soltarmos os cachorros. Não havia mais tempo nem como. Elas atacaram os três cachorros”, relata a moradora.
Segundo ela, mesmo a situação não impeliu o tratorista a parar. De todos ali, era o mais seguro, pois contava com a proteção da cabine. Karla conta que o pai, pelo contrário, também foi atacado, na tentativa vã de salvar o cão. O resultado foi a cara inchada. A moradora partilhou, com a mãe, o choro pelo cachorro que há 10 anos era cuidado pela família. A coleira e o prato da última refeição [vomitada após o ataque das abelhas] permanece junto à casinha que o abrigava. “Isso pra nós foi crime”, exclama.
Durante os dias de limpeza, pelo menos duas pessoas intercalavam o trabalho de dirigir a escavadeira, que também era vigiada, por pelo menos dois homens que se revezavam na tarefa. Um deles, por nome José, que encontramos junto ao maquinário na tarde de domingo. Aguardava a chegada do vigia que o substituiria, aparentemente sem saber que o serviço fora paralisado pelo poder público. Quem aparece é um dos motoristas, incumbido de tirar a escavadeira dali. Dito e feito. Sob os olhares de parte dos moradores, o “devorador de ferro” foi embora, aguçando a curiosidade de quem já imagina que logo voltará.
Silêncio, essa tem sido a reação à tentativa de contato feita pelo O Pedreirense com parte dos envolvidos no fato. Por que motivo as atividades foram embargadas, falta do licenciamento adequado? O proprietário já foi notificado? Quais os planos dele para o local? Há planejamento, incluindo projeto de drenagem? Contatado via WhatsApp, o empresário Paulo Maratá não se manifestou.
Já o secretário Aldeclei Farias foi contatado ainda no domingo. “Quando necessário, qualquer momento estamos à disposição”, disse ele, durante diálogo com O Pedreirense. Contudo, não mais respondeu desde que foi indagado sobre as razões do embargo e sobre que sansões seriam aplicadas diante da transgressão das leis ambientais. Na segunda (08), O Pedreirense voltou a tentar contato com o secretário, enviando-lhe novamente, questionamentos sobre o caso. Até o momento não houve retorno. Na terça (8), nossa tentativa de ouvi-lo presencialmente falhou. Ao chegarmos na sede da secretaria que ele comanda, fomos informados de que estaria viajando.
“Procurar ter responsabilidade, verificar os fatos”, disse o secretário de meio ambiente durante entrevista a um podcast, em uma semana onde recebera inúmeras críticas por decisões da pasta que gerencia. Dias depois, a disposição para ser transparente, exposta durante a entrevista, parece ter se esvaído – um detalhe que esbarra em outro: eleições 2022.
No dia 28 de junho, em uma ocasião que reuniu personalidades políticas e parte da imprensa local, Paulo Maratá, ao lado do pré-candidato a deputado estadual Fred Maia, anunciara que o apoiaria. Quem acompanha a vida política de Trizidela do Vale sabe que ambos protagonizaram, em palanques opostos, momentos tensos da política naquela cidade. Agora, em 2022, o cenário é outro: paz e amor. “O Fred é daqui. Foi prefeito da nossa cidade [Trizidela]. É hoje esposo da prefeita de Pedreiras. Vou pedir voto pra ele”, disse Paulo.
Ativista ambiental de longas datas, Darlan Pereira, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Mearim (CBH), é uma das vozes de alerta que, com muita dificuldade, faz frente no diálogo sobre questões ambientais que atravessam, em especial, o Médio Mearim.
“Vemos com muita preocupação estas ações antrópicas que acontecem na nossa cidade. Há uma velocidade muito grande na destruição da nossa natureza, no solapamento dos nossos recursos hídricos e não percebemos um alinhamento entre a natureza, uma vida saudável para as pessoas, principalmente vindo do poder público. Ele não tem tido uma preocupação em preservar nossos bens públicos, materiais, imateriais e principalmente, mais recentemente, percebemos a destruição de algumas árvores da nossa cidade. Enquanto nós, ambientalistas, caminhamos para uma preservação, preocupação do uso sustentável do meio ambiente, a gente percebe que o governo está na contramão”
Pontua Darlan Pereira.
Ciente de que não era dono do terreno, um dos moradores viu as bananeiras que plantara despencarem e com elas, pencas de banana prata. “Doce que é uma beleza”, diz um jargão comum em Pedreiras. Da velha “quinta”, naquela tarde de sábado, pouca coisa sobrou e uma delas permanece ali, pendurada em uma das hastes de madeira na qual se assetam as telhas de sua casa. Com o que plantou caído, pôde ver o sol se pondo. Certamente o único detalhe bom que ficou daquele dia. O astro rei, a anos-luz dali, não corre o risco de ser derrubado.