Na maior parte do tempo ele é silêncio, ainda mais se durante seu banho há um estranho na sala, esperando-o para uma entrevista, que ocorre um dia após cena bastante distinta, no Mercado Central de Pedreiras. Nela, Gleisson Neres Firme de Abreu (14 anos) recebe o microfone e no confuso barulho do mercado ecoa:
“Curou-me, curou-me
Curou-me a minha cegueira
O homem que mora
Que mora acima das estrelas”
Em sua performance de ‘Acima Das Estrelas’, sucesso na voz de Shirley Carvalhaes [sua preferida], evolui gradativamente, como nas curvas dos gráficos matemáticos ensinados na escola. É quando canta “Ele é Jesus, o Rei da Glória”, que deixa para trás o adolescente extremamente tímido. Tinha diante de si pessoas, que em meio a ida e vinda da feira, decidiram parar e ouvi-lo até o final de sua apresentação. Os aplausos numerosos evidenciavam a preferência popular, mas caberia a três jurados determinar quem seria o vencedor do 1º Show de Calouros do ‘Cultura na Feira”, iniciativa que leva diferentes formas de cultura para o Mercado Central.
“Eu senti uma coisa diferente ali. Na igreja sinto uma coisa, mas no meio do povo, na rua, não sinto aquela vergonha grande não. Ao começar fecho os olhos e só penso em Jesus”, explica o jovem cantor, que ficou sabendo da oportunidade através do professor Marcus Krause, de inglês, que lhe enviou uma imagem e disse que haveria o concurso, pedindo que fizesse sua inscrição.
Dentre os muitos olhares direcionados a ele, um não negava a maternidade. Naquela altura da situação a trabalhadora doméstica dona Maria Francisca Neres e Silva (45 anos) já era puro nervosismo e parte das apresentações anteriores a fazia descrer que o filho seria o vencedor da competição musical. Tanto que ela relata tê-lo chamado para casa antes que fosse convidado a se apresentar.
“Foi uma aflição muito grande que passei ali”, diz ela.
Aluno da Unidade de Ensino Janoca Maciel e adepto do Cristianismo, Gleisson se congrega na Igreja Assembleia de Deus, templo central. O lugar de culto é espaço importante para o desenvolvimento de seu talento, que ele relata destinar a pregação sobre Jesus.
Houve um tempo, contudo, que Gleisson com um vozeirão seria algo totalmente inimaginável. Tanto ele, quanto sua mãe, afirmam que por um tempo, nos anos iniciais, esteve mudo. Sua comunicação reduzia-se a gemidos.
“Minha mãe me levava demais ao hospital, com o objetivo de que fosse feita a cirurgia da língua. De repente minha tia disse: ‘não leva mais ele no médico, porque o Senhor disse que fará ele falar e ainda vai usá-lo enquanto criança. Ela não sabia como. Até que certo dia, quando eu tinha 4 anos, ela cantava o hino da Harpa Cristã e comecei a cantar também”, explica Gleisson, lembrando que foi sua tia, Maria Antônia Neres e Silva (42 anos), que o incentivou, após ouvi-lo, a cantar na igreja que ela presidia. Desde então não parou mais.
Pelas paredes de uma casa simples as fotografias deixam evidenciar o orgulho dos pais. É com eles e o irmão que Gleisson divide o lar e as lidas diárias. A Bíblia, explica sua mãe, é a regra que determina os caminhos da criação. A música é um elemento constante. Por vezes ela precisa lembrá-lo dos limites, de que a vida não é só cantar. “Para tudo enquanto tem a hora”, aconselha.

“Às vezes algum vizinho chegava na porta, perguntando sobre quem era o cantor e ele logo se escondia, mas Deus foi tirando a vergonha dele e agora canta em todo lugar”, explica dona Maria Francisca.
“Todas as pessoas que já ouviram o Gleisson cantar ficam impactadas, porque é uma voz poderosa, forte e emocionante. Logicamente tínhamos muitos bons candidatos e questão de concurso é sempre surpresa. Tenho dito que cabeça de jurado é terra que ninguém anda, porém, ele sagrou-se campeão do show de calouros. Eu fiquei feliz pela realização e pelo resultado”, destaca a militante cultural Francinete Braga, que ao lado de Marcelo Cruz e artistas convidados, seguem promovendo o ‘Cultura na Feira’, ainda que os apoios estejam distantes da importância que o setor merece e precisa.

Gleisson conta ter ficado de ‘boca aberta’ quando teve seu nome revelado como vencedor. Em certo momento de nossa conversa vai até o quarto e volta trazendo um relógio novinho, que foi parte da premiação recebida por sua vitória. Agora não mais passará pela ‘vergonha’, que diz ter, quando perguntava a outros sobre horas. “Certa vez quando fui reparar o preço desse relógio em umas lojas, vi que era muito caro. Tive que comprar um mais barato. Quando ela [Francinete] me disse que tinha ganhado aquele relógio e dinheiro, eu disse: “meu Deus do céu, como pode uma coisa dessas, ganhar um relógio na qual sonhava ter?”. Ele realizou o sonho.