Hoje, meio que acordei inquieto, reflexivo e a culpa é de Zygmunt Bauman.
“A modernidade líquida em que vivemos traz consigo uma misteriosa fragilidade dos laços humanos – um amor líquido. A segurança inspirada por essa condição estimula desejos conflitantes de estreitar esses laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos”, escreveu o filósofo.
Mais inquietante do que ler isso foi acessar minha lista de contatos e perceber que ela mais parece o caderninho do juízo final, com algumas cabeças destinadas ao fogo de inferno, outras ao purgatório e algumas poucas ao céu, ou seja, nessa vida virtual a gente brinca de deus, convida, aceita, deleta com uma facilidade incrível.
Eu curto o que você diz, onde você está, com quem você está, te ignoro na próxima esquina, aliás, vácuo é a única coisa que quebra essa barreira do virtual. Percebe a dualidade, o conflito? Afinal, quem somos? Que perfil melhor nos define, o conservador Facebook, o aventureiro Instagram ou o pervertido Whats? Cansamo-nos da vida real, alimentamos nosso ego como numa partida de vídeo game. É como se tivéssemos muitas vidas. Lidamos com cada uma delas ao mesmo tempo.
E o que essa sensação de companhia tem a ver com o céu estrelado lá fora? A ideia de que os astros estão próximos é uma enganosa ilusão, tal qual a ideia de companheirismo na era digital. As estrelas estão mui distantes e da mesma forma estamos cada vez mais distantes uns dos outros. Conectados ao mundo, mas nossa participação se resume a bagunça em nosso quarto escuro. Queremos estar em todos os lugares sem sairmos dele.
Nossa vida se tornou um verdadeiro “Delivery”. Antes era só a pizza; agora é o café, o hambúrguer, as conversas de praça, de bar… E a coisa vai ficando tensa, nem o sexo é tão sexo assim. A graça do ver e tocar pela primeira vez perdeu-se na era do nudes, já teremos visto tudo, dos mamilos rígidos ao pelos pubianos, nenhuma surpresa. Em suma, tudo é ficção, não tem odor, toque, sensação, só palavrão.
Não sei o que acontece nessa vida virtual meio “vai que cola”, se não cola deleta, é a palavra mágica, mas na vida real apagar alguém é crime. Sair de casa parece ter se tornado um perigo, literalmente é, mas não me refiro ao perigo relacionado à criminalidade em ebulição. Falo do nosso medo de dizer oi, de se perceber no outro, de perguntar: como vai?
Sabe aquela história da zona de conforto? Bom era quando se tratava de uma metáfora. Hoje ela é real. O nosso mundinho decoradinho, que se irrita com o vento que passa pela janela mudando as coisas de lugar.
Queremos ter muitos contatos e nenhum contato, talvez por medo ou egoísmo. Não quero isso pra mim. O mundo é bem mais que as paredes pretas do meu quarto. Há um céu azul lá fora e abaixo dele pessoas incríveis com quem se pode conversar mesmo se o celular carregar.
Uma coisa é fato: nada é para sempre, mas na vida virtual pode ser que nunca tenha existido.
Por Joaquim Cantanhêde