A pandemia da Covid-19 desconhece fronteiras. Aos livres impôs a reclusão do lar, aos reclusos do sistema carcerário brasileiro, fez cessar as visitas, reforçando o isolamento num ambiente onde a solidão é parte da pena. Os exponenciais índices da mais expressiva crise deste século, em andamento, se tornaram parte do cotidiano de uma sociedade onde o ir e vir se tornou risco de vida, mas muito pouco se expõe e se dialoga sobre a Covid-19 do lado de lá dos muros dos centros prisionais brasileiros. Os dados apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em conjunto com Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Departamento Penitenciário (DEPEN) testificam a ameaça do onipresente Coronavírus aos apenados.
O Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, só perde para a China e Estados Unidos (WORLD PRISON BRIEF, 2020). Por aqui as rebeliões constantes e sangrentas tem como plano de fundo a não observância da Lei de Execuções Penais. As instalações precárias, a violência e corrupção comum, tornam impossível qualquer via de ressocialização. Chegamos em um ponto em que prender já não é solução, isso porque a taxa de ocupação é de 171%, segundo Sistema de Informações Penitenciárias (Sisdepen). De acordo com o sistema, haviam 755.274 pessoas presas no Brasil em dezembro de 2019, isso num universo de 442.349 vagas.
Dados da plataforma de Monitoramento do CNJ mostram que 54.807 casos de Covid-19 foram confirmados no sistema prisional brasileiro. Casos confirmados entre detentos chegam a 41.971 e 12.836 entre servidores. Até dezembro de 2020 contabilizaram-se 222 mortes, sendo 129 detentos e 93 servidores. O provável é que os índices sejam maiores do que os apresentados nos dados por conta da subnotificação.
Quando se trata do Maranhão, os dados do CNJ apontam para a confirmação de 320 casos, 01 óbito e testagem de 1415 detentos, no que diz respeito aos servidores, foram confirmados 652 casos e 09 óbitos.
Para a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH): “A situação é bastante delicada, uma vez que as medidas de diminuição da superlotação nos presídios (que inviabiliza medidas de prevenção da doença) não foram aplicadas de maneira homogênea pelo judiciário em todo país, além da baixa testagem e políticas de combate à doença insuficientes por parte do executivo”.
Segundo dados apurado pelo jornal O Globo, até o dia 30 de dezembro de 2020, apenas cinco, das 27 unidades federativas, informaram ter recebido recurso federal para o combate à pandemia nos centros prisionais. “O acesso à água foi relatado como o recomendado para a população carcerária em apenas 5 estados, e em 13 houve alguma compra de material de higiene e limpeza ou incremento dos existentes. Mas a suspensão de visitas ocorreu em 26 estados e a entrega de alimentos por familiares foi suspensa em 12”, descrevem Marcus Vinicius Cruz, Clara Diniz e Mariana Parreiras, integrantes do Núcleo de Estudos de Segurança Pública (NESP) da Fundação João Pinheiro (FJP/MG) e pesquisadores do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (InEAC/CNPq).
Apesar do cenário anteriormente descrito, o Ministério da Saúde retirou os encarcerados dos grupos prioritários para receber a vacina contra a COVID-19. Cabe lembrar que mesmo preso, o indivíduo é cidadão. Outros direitos não se vão com a reclusão. A Constituição Federal, no art. 3º da Lei nº7. 210/84 e no art. 38 do Código Penal são claros no entendimento de que a integridade física e moral dos presos é um dos direitos inegociáveis e que cabe ao Estado garantir sua aplicabilidade.
Em 2020, em meio a pandemia, estivermos na Associação de Assistência aos Condenados (APAC), de Pedreiras, estado do Maranhão. Para além de conhecer as ações promovidas pela entidade, como modelo alternativo de cumprimento da pena como olhar para a humanização, mas sem perder de vista a natureza punitiva, mostramos, na reportagem “Isolamento no isolamento: os dias pandêmicos dentro dos muros da APAC de Pedreiras”, os impactos da pandemia sobre o cotidianos dos apenados.