Thamires Mikaelle da Silva Araújo (17 anos) mora na Barriguda do Insono, uma comunidade há poucos quilômetros de Pedreiras, cidade que a jovem estudante atravessa para chegar ao Instituto Federal do Maranhão (IFMA), Campus Pedreiras, à margem da Rodovia João do Vale, na MA-381. Tanto os estudos quanto o cotidiano campesino, lhe requerem dedicação. As redes sociais são parte da diversão que vem depois das obrigações. Ela se enxerga feliz assim.
Nila Michele Bastos Santos (40 anos), sua professora, vive uma realidade frenética e demasiadamente intensa, natural para quem se aventura pelas águas do doutorado em História pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), em São Luís, capital do estado. No meio desta correria ainda acha tempo para ser colunista, daquelas que tiram o tapete do lugar.
Agora, geograficamente distantes, educanda e educadora, ambas pesquisadoras, partilham com o mundo a cartilha ‘Agó Yagó Oluko’, que objetiva “ampliar o ensino de história africana e afro-brasileira nas escolas”.
Cabe destacar que a ideia surge com uma carência notada por Guilherme de Sousa Morais. Assim como Thamires, ele fora aluno do curso de Petróleo e Gás do IFMA. Residem na mesma comunidade, onde segundo o aluno, as questões étnicos-raciais não são trabalhadas da forma devida.
“É fruto de um projeto de pesquisa através do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica (PIBIC) do Ensino Médio. Entrei como voluntária e o bolsista era o Guilherme de Sousa Morais. Ele teve problemas de saúde e não pode dar continuidade à pesquisa. A partir daí passei a ser bolsista e a encarar o desafio de uma pesquisa que estava bem no comecinho. O projeto em si consistiu em buscar metodologias e estratégias exitosas, que funcionavam, aplicando na cartilha, de modo que os professores da região (Médio Mearim) possam também aplicá-las na sala de aula”, destaca Thamires da Silva.
“Ela elencou metodologias para a educação básica, que podem ser utilizadas entre o público de 11 a 18 anos. Mas ela é destinada a professores, acadêmicos, colegas de pesquisa, comunidade em geral, inclusive o próprio Movimento Negro pode acessar a cartilha, para que gente possa, de certa forma, divulgar o mais rápido possível, essas metodologias, para mudarmos nossa educação. Ainda é europeia, colonialista, branca, machista, homofóbica e racista, principalmente”, explica a professora Nila Michele.
Para Vanuza da Silva Santos (35 anos), coorientadora, tanto a caminhada (construção) quanto seu resultado inicial, primou pela reconhecimento da cultura africana e afro-brasileira e da urgência que há para que esse valorização se dê, também, no âmbito escolar. Traz uma perspectiva que vai de encontro à realidade vivenciada por Thamires e Guilherme, almejando mudá-la.
“Oportuniza a reflexão, diálogo e ação sobre condutas discriminatórias e racistas, contribuindo para que se elimine tais práticas repugnantes de nossa sociedade. A lição aprendida com este trabalho é que só a educação nos ajudará a superar a barbárie discriminatória, negacionismo do racismo estrutural e violação dos direitos humanos arraigados em nosso meio social”, destaca Vanuza.
Produzir a cartilha foi uma vivência nova na trajetória de Thamires. A curiosidade e o interesse pela temática, até então desconhecida, foi a propulsão balizar de uma caminhada que defrontou-se com uma pandemia sem precedentes, capaz de impor novos desafios aos já existentes à educação brasileira.
Dados do Datafolha a partir de estudo encomendado pela Fundação Lemann, o Itaú Social e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mostraram que em junho de 2021, mais da metade (51%) das crianças da rede pública de ensino e inseridas no processo de alfabetização, ficaram estagnadas sem aprender algo novo na pandemia.
Já a pesquisa do Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef), mostra que o Brasil avançou negativamente no número de crianças e adolescentes sem acesso à educação, de 1,1 milhão em 2019 para 5,1 milhões em 2020.
Como a pandemia impactou na produção da cartilha?
“A gente queria fazer uma pesquisa de campo (pós levantamento teórico). Ir até as escolas de Pedreiras e região e ver se isso (ensino de história africana e afro-brasileira) estava ou não sendo colocado de uma maneira clara, aberta, ou se somente na época do 20 novembro (Dia nacional da Consciência Negra) que se fazia alguma coisa. Infelizmente, com a pandemia, não pudemos fazer trabalho de campo. Fizemos a pesquisa acadêmica, de diversas metodologias que foram aplicadas. Ela compilou as melhores, em sua perspectiva, e criamos a cartilha”.
A produção científica, com 81 páginas, está disponível em pdf no final desta matéria. “Conhecendo a História da África; Desconstruindo a concepção eurocêntrica e colonizadora sobre o continente africano; O protagonismo do povo negro brasileiro”, são alguns dos eixos apresentados no material colorido e repleto de ilustrações.
“Como se trata de um material educativo, a gente teve o maior cuidado de organizar essa figuras, fotos e textos das atividades”, acrescentou Thamires, relembrando os desafios da elaboração da cartilha.
A jovem afirma, com convicção, que vários aprendizados foram possíveis durante essa caminhada. “Desde ter ali uma responsabilidade a mais. Nunca tinha feito algo parecido na minha vida. Meu Deus! Pude ver que sou capaz. Consegui! Isso é de grande importância pra mim. ”
Ela também aprendeu mais sobre a temática trazida na cartilha. Reconhece o pouco contato que teve com o ensino de história africana e afro-brasileira e agora sabe que isso não é por acaso, mas fruto de uma estrutura montada para fortalecer as raízes do racismo, uma engrenagem atuante e opressora.
“A gente sempre via algo muito superficial nas datas comemorativas. Você lia um texto, fazia alguma atividade relacionada ao conteúdo. Era uma vez por ano. Acabava e não se falava mais desta temática. Esse material certamente vai contribuir para uma educação antirracista, antidiscriminatório e baseada na igualdade”.
Nila evoca sua percepção de orientadora e reconhece o protagonismo da Thamires. O receio por conta do tempo, a dificuldade de conectividade e a impossibilidade de estar no laboratório foram dificuldades ultrapassadas pela orientanda ao longo do processo.
“A Thamires foi de uma valentia, que sinceramente, me deixa até emocionada. Foi lhe dado uma oportunidade e ela está aí, publicando, produzindo. Fiz poucas intervenções, modifiquei algumas palavras, mas a autoria é da Thamires. Ela merece essa divulgação”, ressalta Nila, que arcou com os custos da publicação.