Este artigo versa sobre um dos temas mais caros na minha experiência como educador – o direito à leitura. Não aquela leitura obrigatória que as escolas nos impõem a partir de fichas de leitura ou como condição para obter uma boa nota nas provas cada vez mais recorrentes. Refiro-me à leitura como prazer individual de cada sujeito que se dedica a peregrinar por outros mundos, principalmente ao ler textos literários. Uma fruição ilimitada que oportuniza ao leitor inúmeras experiências humanas: conhecer, emocionar-se, imaginar, pensar, autoanalisar-se, informar-se etc.
É preciso reconhecer que aprende-se a ler e a gostar de ler lendo. Assim como se aprende a pedalar ou jogar bola, é pela prática que cada um de nós passa a apreciar a leitura e a transforma numa necessidade. O psicolinguista inglês Frank Smith declara: “a leitura é conquistada com a experiência e não com o ensino”. O educador deve esforçar-se a favorecer experiências de leitura entre seus educandos. Não fazer da leitura algo compulsório e enfadonho, mas uma experiência significativa para cada leitor singular. Por consequência, as escolas terão estudantes mais habilidosos nas artes de ler, interpretar e escrever. Mas conquistarão também seres humanos mais curiosos, perspicazes, sensíveis, capazes de fazer indagações e buscar respostas para as questões elaboradas. Estudante vem do latim studiosus que significa pessoa dedicada, que gosta de algo, que é zelosa. Assim, será mais provável ter estudantes que amam aprender.
Importante ponderar que nossas escolas são laicas. Quando se oportunizam experiências de leitura e aprendizagem, tem-se como universo toda a ampla cultura humana acumulada em séculos de história. Ciências, filosofias, artes, espiritualidades compõem o amplo acervo de conhecimentos e criações significativas da história humana na Terra. As escolas precisam dialogar com essa diversidade e complexidade da história.
Essa premissa parece implícita à leitura criativa (usamos este adjetivo somente para distinguir daquela leitura escolar, jamais para conceituar leitura pois esta é bastante complexa). Lê-se porque se deseja conhecer mais e melhor. Simples. Os outros, nos diversos textos, contribuem para o leitor compreender-se mais e melhor. O professor e crítico literário norte-americano Harold Bloom cita a vontade de “auto-aperfeiçoamento”. Não se lê para ser um aluno de sucesso ou coisa similar. A leitura é um campo aberto de aprendizagens sobre o próprio ser humano. Quando se lê, busca-se saber mais de si e do mundo que conforma os indivíduos. O leitor interage com seus prazeres, suas perguntas, suas fantasias, seus juízos éticos, suas vontades de saber, os dilemas das sociedades etc. Nesse caminhar aprende mais sobre si, os outros e o mundo.
Assim, ao ler, ampliam-se as capacidades de ver, imaginar e pensar. Alarga-se a condição humana porque passa-se a experimentá-la e compreendê-la de formas diversas e provocativas. Se não limita tão somente a leituras escolares ou dogmáticas, estendem-se os horizontes de vida porque o leitor experimenta mais a arte de pensar, sentir e saber. Tanto inquieta-se e pergunta mais, como também compreende melhor suas vivências e possibilidades.
Por essas razões, ler fortalece o projeto árduo de experimentação da liberdade. Esta compreendida também como uma experiência complexa que compreende a capacidade de discernir, fazer escolhas a partir do exame reflexivo das situações postas e possíveis e perseverar nos caminhos escolhidos. Talvez por essa razão as estruturas de poder de nossas sociedades temam tanto a leitura criativa e desejem ensinar o que e como ler. Ao buscar ensinar, definem padrões limitantes à leitura. Ler passa a ser tratado como meio de destacar a informação para a pergunta do livro. Ler confunde-se com o ato de identificar e memorizar informações necessárias àquela vida social imposta como única e natural. Logo, as potencialidades da leitura ficam amordaçadas e restritas.
Diferente da leitura disciplinada e escolar, ler é experimentar uma infinitude de possibilidades de compreender, sentir e pensar os indivíduos e os mundos sociais. Ler fomenta as capacidades de imaginar e criar. Ler amplia as possibilidades de ver e questionar. Ler inspira novas soluções para os problemas bem como novos compromissos éticos com o mundo. Ler fomenta a formação de novos cidadãos que se pensam no mundo por sua problematização e, ao mesmo tempo, pelos exercícios de sugerir e comprometer-se com outros caminhos para uma sociedade livre e justa.
Por Luciano Melo, educador, cientista social e professor da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Mestre e doutor em Ciências Sociais. Coordenador do programa extensionista Humanismo Caboclo. Educador por convicção com várias atividades de extensão na sua trajetória. Também é ator, diretor e arte-educador. Roteirista, produtor e diretor de documentários por hobby.