OPINIÃO
O título desse pequeno texto reflexivo, por si só, diz muita coisa. A frase é atribuída ao Geógrafo francês Yves Lacoste. A frase sintetiza um pouco o papel da ciência geográfica. A razão de ser da Geografia recai sobre a necessidade de melhor compreender o mundo e pensar o espaço para que nele se possa lutar de forma mais eficaz. A construção de um saber geográfico comprometido com as lutas sociais e por uma sociedade mais justa e democrática se faz cada vez mais necessária. A guerra citada não é necessariamente a do confronto militar, mas aquela travada nas relações de poder no cenário geopolítico internacional envolvendo as diferentes nações.
Outro geógrafo que não se pode deixar de citar aqui também é Milton Santos. Um dos maiores geógrafos do Brasil e do mundo. Certa vez disse: “O geógrafo é, antes de tudo, um filósofo, e os filósofos são otimistas, porque diante deles está a infinidade”. Milton Santos foi ganhador do Prêmio Vautrin Lud, o Nobel de Geografia, sendo o único brasileiro a conquistar esse prêmio e o primeiro geógrafo fora do mundo Anglo-Saxão a realizar tal feito. A infinidade a que se refere o geógrafo, é o campo de atuação desse profissional, que vai além do espaço arquitetônico da sala de aula.
Mas, afinal o que é geografia? Ela é ou não uma ciência? Para quê e para quem serve a geografia? Qual sua função social? Possui o geógrafo alguma outra utilidade que não seja a de dar aulas de geografia? Às vésperas do dia do geógrafo, o dia 29 de maio, torna-se oportuno quebrar alguns paradigmas acerca dessa ciência. Sim, a Geografia é uma ciência. Possui um objeto de estudo. Possui método. Para Santos (2006), o objeto de estudo é o espaço geográfico – um conjunto indissociável, contraditório, constituído por sistemas de objetos e sistemas de ações. Ainda acrescenta que, para os geógrafos, os objetos são tudo o que existe na superfície da Terra, toda a herança da história natural e todo o resultado da ação humana que se objetivou.
Para uma análise completa do espaço geográfico e de sua complexidade, ao longo da trajetória da Geografia foram sendo construídos e atualizados os seus pressupostos, tais como território, paisagem, lugar, limites, fronteiras, meio, região e natureza, que se tornaram instrumentos fundamentais para a leitura geográfica do mundo. Esses conceitos precisam, portanto, integrar o ensino na sala de aula e o vocabulário geográfico. Ao utilizar corretamente esses conceitos, desenvolvendo procedimentos de pesquisa e análise geográficas, é possível que o professor de Geografia permita que os estudantes possam reconhecer as diversas formas de manifestação das desigualdades sociais e regionais, que se materializam no espaço, bem como seus fatores condicionantes e as implicações deles decorrentes. Dessa forma, a aprendizagem da Geografia estimula a capacidade de empregar o raciocínio geográfico para pensar e resolver problemas gerados na vida cotidiana.
A Geografia é uma ciência social. Entretanto, para uma parte da sociedade (cada vez menor), ela é considerada uma ciência “decorativa” de memorização, isto é, os estudantes apenas decoram nomes de países, rios, cidades, capitais, moedas, estados, tamanho das populações, entre outros. Esse modo de pensar a Geografia é errôneo. A Geografia vai além disso. Trata-se de uma ciência complexa e bastante abrangente, uma vez que está envolvida em inúmeros assuntos humanos e naturais. Poderíamos até falar em “geografias”, dada as suas diversas especialidades.
A partir do final dos anos 1970, ocorreu o “movimento de renovação da Geografia” (acadêmica e escolar), que iria mudar essa concepção distorcida. Esse movimento colocaria em oposição a Geografia “tradicional”, que se mantinha tal como havia se estruturado desde as primeiras décadas do século XX, e uma Geografia Crítica, que buscaria, a partir de então suplantar a tradicional, fornecendo subsídios para pensar criticamente a realidade socioespacial. Eis aqui algo que deve ser considerado, todas as vezes em que se questionar o papel da Geografia. A Geografia é uma Ciência comprometida com a leitura do mundo. Isso significa compreender os processos que constituem o meio, bem como as interações que resultaram na construção do espaço geográfico.
Diversos temas da atualidade, como a diversidade étnico-racional, a cidadania, a questão ambiental, tensões e conflitos e mesmo a globalização em curso, que são discutidos por diversas disciplinas, requerem, por parte dos estudantes, saberes que foram construídos historicamente. Nesse sentido a geografia é terreno fértil, à medida que a sua abordagem se impregna de conhecimentos e valores que contribuem para o entendimento da constituição das sociedades e de seus territórios. Questionamentos como por exemplo, por que numa mesma cidade ou país tenhamos espaços mais desenvolvidos que outros? Por que em certos bairros de uma mesma cidade a coleta de lixo é regular, enquanto em outros, se quer existe esse serviço? O que falta para o Brasil ser considerado um país desenvolvido? As respostas para essas perguntas, envolvem um raciocínio espacial e um pensar geográfico. É esse raciocínio, que passaremos a chamar de raciocínio geográfico que faz dessa ciência fundamental na leitura e compreensão do mundo em que vivemos.
Raciocinar geograficamente representa um método de compreensão utilizado pela geografia para entender a mobilização de conceitos espaciais e formas de representação espacial, e assim, estruturar problemas, encontrar respostas e apresentar soluções. Significa mobilizar-se para uma determinada finalidade. Dessa forma, tem-se um pensar geograficamente e um pensar espacialmente. Nesse contexto, o raciocínio geográfico só faz sentido, se atrelado à cartografia, ou seja, é com a alfabetização cartográfica que o estudante adquire as habilidades relacionadas à orientação, localização, visões cartográficas, leitura e produção de mapas, podendo, assim, compreender as dinâmicas naturais, socioeconômicas e políticas que norteiam a realidade planetária, possibilitando a leitura do mundo e o exercício da cidadania.
É essa a Geografia do Século XXI. Uma ciência comprometida em esmiunçar as mazelas existentes no modo como evolui o modo capitalista de gerir e de pensar o espaço. Ao professor de geografia cabe a tarefa de permitir que os estudantes possam conhecer a si mesmos e sua comunidade, valorizando os contextos mais próximos da vida cotidiana. Compreender inicialmente o seu lugar pode ajudá-los no entendimento das relações sociais estabelecidas com outros sujeitos em diferentes escalas geográficas.
Por José Edson da Silva Barrinha, professor de Geografia do IFMA – Campus Pedreiras
REFERÊNCIAS
LACOSTE, Yves. A Geografia: isso serve, em primeiro lugar para fazer guerra. Tradução Maria Cecília França. Campinas, SP: Papirus,1988.
SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova: da crítica da Geografia a uma Geografia crítica. 6 ed.
São Paulo: Edusp, 2004.
SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo : Hucitec, 1988.
SANTOS, Milton. Técnica, Espaço e Tempo. Globalização e Meio-Técnico Científico Informacional. São Paulo: Ed. Hucitec, 1994.
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. 2. reimpr. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
TERESINA, Prefeitura Municipal de. Currículo de Teresina – Geografia. SEMEC. 2018.