Verba pública vai parar no bolso de construtora suspeita
“Nós estamos com mais da metade do dinheiro em conta”, disse Vanessa Maia, prefeita da cidade de Pedreiras, Maranhão, ao anunciar o início da tão sonhada obra de infraestrutura do bairro Maria Rita. O que começou como empreendimento privado, caiu no colo do poder público e ninguém, até hoje, foi punido pelos supostos crimes ambientais. Para a população que habita o enlameado e empoeirado bairro, isso já não faz mais diferença.
Criticada pelos descumprimentos dos prazos, prometidos em campanha, para solucionar o gargalo colossal, a gestora fez mea-culpa, assumindo que estudos mais profundos deram uma dimensão do desafio. Em diálogo com os moradores, no dia 16 de abril, Vanessa Maia evitou expor detalhes da licitação, inclusive, não citando o nome da empresa contratada, a Construservice – Empreendimentos e Construções Ltda., construtora maranhense com sede em Codó, a 300 km de São Luís.
No documento ‘Extratos de Contratos: 20220394/2022’, publicado no Diário Oficial do Município, a Construservice aparece como a empresa contratada para “prestação de serviços de implantação de drenagem profunda, com pavimentação asfáltica e sinalização horizontal e vertical no Residencial Maria Rita”. O valor do serviço é de “R$ 5.916.730,30 (cinco milhões, novecentos e dezesseis mil, setecentos e trinta reais e trinta centavos) ”. O documento, datado de 05 de abril de 2022, traz como signatários, Marcos Brunieri de Freitas, secretário de infraestrutura de Pedreiras, e Rodrigo Gomes Casanova Junior, representando a Construservice.
A reportagem de Flávio Ferreira e Mateus Vargas, para o jornal paulista Folha de São Paulo, publicada na quarta-feira (04), trazem à luz a face obscura da construtora. Segundo a reportagem, “A vice-líder [Construservice] em licitações da estatal federal Codevasf tem utilizado laranjas para participar de concorrências públicas na gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL)”. A reportagem afirma que o “governo já reservou R$ 140 milhões para a Construservice; estatal federal diz que suas licitações seguem a lei”.
Quem são os donos da empresa?
Em 2015, por ocasião de uma investigação policial, dois indivíduos, registrados como donos formais, confessaram terem sido chamados para formalmente constar como sócios na construtora, mesmo não mantendo, entre si, elos pessoais ou empresariais. Segundo ele, o convite teria partido de Eduardo José Barros da Costa, que a reportagem descreve como “sócio oculto da Construservice e também conhecido como Eduardo Imperador ou Eduardo DP”.
Sobre ele paira a suspeita “de comandar uma quadrilha responsável por crimes em mais de 40 municípios do estado, pelo menos de 2009 a 2012, entre eles desvios de recursos federais do Ministério da Educação”, diz o jornal Folha de São Paulo. Não por acaso Eduardo Costa seja réu perante a Justiça Federal e Estadual, sob acusação de supostos desvios e corrupção, já tendo sido preso em função delas. Atualmente está em liberdade.
“Ele não aparece nos registros da Construservice. Mas em pelo menos uma ação trabalhista a Justiça do Maranhão o reconhece como sócio de fato da construtora”. Ainda segundo a Folha de São Paulo, houve um encontro, no dia 16 de dezembro de 2020, entre “Eduardo Costa – Empresa Construservice” e Marcelo Moreira, presidente da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), audiência registrada na agenda oficial do órgão. Questionada pelo jornal, a Codevasf não esclareceu se o Eduardo Costa, citado na agenda, é Eduardo José Barros da Costa.
Diante da ameaça da abertura de processo de impeachment, a Codevasf teria sido entregue, por Bolsonaro ao centrão, como uma espécie de cala a boca.
Em um dos trechos da reportagem, que você confere a seguir, o deputado Vinicius Louro (PL) é citado. O nome do parlamentar estadual, natural de Pedreiras, aparece no contexto em que a reportagem explica que “Eduardo Costa é referência para políticos locais na hora de questionar obras da Construservice”.
“Em 12 de abril, o deputado estadual Vinicius Louro (PL) disse, na tribuna da Assembleia Legislativa maranhense, que telefonou ao ‘proprietário da empresa, da Construservice, Eduardo DP’ para cobrá-lo sobre o andamento de reformas em estradas.
‘O mesmo me deu a posição que já vai começar o trabalho de conserva dessa estrada’, afirmou Louro.
O deputado disse à Folha que não conhece o quadro societário da construtora. ‘Agora, todo mundo no Maranhão sabe que ele [Costa] responde por ela [a empresa].’
‘Na hora que se fala em Construservice, na sede lá, quem está é ele’, disse ainda Louro, que declarou “falar direto” com Costa quando precisa de informações sobre as obras da empresa”.
Em 2015, foi deflagrada, no Maranhão, a Operação Imperador, cujo nome faz alusão a um dos apelidos de Eduardo Costa. As buscas e apreensões, segundo a reportagem, “revelaram que ele arregimentou um laranjal para constar nos quadros de sócios de várias construtoras usadas no esquema”.
Segundo a Folha de São Paulo, o motorista Adilton da Silva Costa e o engenheiro Rodrigo Gomes Casanova Júnior, que aparece representando a Construservice, em documento sobre licitação da obra do bairro Maria Rita, seriam os donos oficiais da construtora.
Vamos a outro trecho da reportagem:
Em depoimento de 2015, Adilton afirmou que trabalhava para a família de Eduardo Costa desde 1982 e que recebia um salário mínimo, sem carteira assinada, para fazer serviços gerais.
Ele disse saber que havia empresas registradas em seu nome, mas desconhecia os nomes delas, e que Costa costumava levar papéis para ele assinar.
Uma ex-companheira de Costa, Eridan Pinheiro Dias, disse à polícia que muitas vezes Costa debochava da situação, “dizendo que ia buscar o empresário Adilton” para fazer a assinatura de documentos.
O outro sócio formal da empreiteira é o engenheiro Rodrigo Gomes Casanova Júnior.
Em seu depoimento à polícia em 2015, Casanova Júnior afirmou que Costa o procurou em dezembro de 2013 com uma “proposta de uma parceria”.
Essa parceria “consistiria na entrada do declarante como sócio de uma empresa controlada por Eduardo José Barros Costa, no caso a Construserv, o que foi aceito pelo declarante, que entraria como sócio em razão de sua experiência no ramo de construção civil e de seu conhecimento técnico na área”.
Disse também que à época possuía “formalmente” 98% das ações da empreiteira, porém não sabia quem era o outro sócio, “achando apenas que tal pessoa se chama Adilton, e o viu em apenas duas ocasiões de forma breve”, segundo o testemunho.
Casanova Júnior também afirmou que cuidava da “operacionalização” da empresa. Porém ele disse morar em São Luís, a 300 km da sede da empresa.
Costa também foi interrogado em 2015. Ele admitiu que colocou empresas e bens em nome do motorista Adilton. Disse que adotou tal prática “em razão de ter restrição em seu nome”.
Mas, em relação à Construservice, declarou que somente mantinha “parceria e participação” com a construtora e que realizam obras juntos, e a empresa pertencia a Casanova Júnior.
Em outro trecho a reportagem diz que:
Em todas as licitações do ano passado a Construservice apresentou como documento de habilitação a nona alteração do contrato social da companhia, de dezembro de 2017, que aponta como sócios os laranjas Adilton da Silva Costa e Rodrigo Gomes Casanova Júnior.
Segundo o documento, Adilton teria participação societária no valor de R$ 2 milhões e Casanova Júnior no montante de R$ 18 milhões.
Adilton e Casanova Júnior passaram a constar formalmente como sócios da Construservice em 2013, mas antes disso outros acusados de serem laranjas também chegaram a ser registrados como donos da empresa.
Em resposta à Folha, a defesa de Eduardo Costa nega que ele seja sócio da Construservice. Detalhe: segundo a reportagem, os dois advogados também defendem a construtora. De acordo com eles, o cliente já prestou “os devidos esclarecimentos, no sentido de comprovar a legitimidade e correção de suas condutas”.
Sob a acusação de ter sócios laranjas, a Construservice não se manifestou. Sua defesa afirmou, em nota, que ela “nunca sofreu quaisquer condenações em processo judicial ou administrativo em que seja acusada de superfaturamento, desvio de recursos públicos, atos de corrupção, ou improbidade administrativa”.
O jornal Folha de São Paulo também indagou a Codevasf, segundo o qual as contratações ocorrem dentro dos ditames da lei, com “licitações abertas à livre participação de empresas de todo o país”. Os trabalhos seguem, diz a Codevasf, fiscalizadas por mecanismos internos e órgãos de controle.
“A Folha procurou Rodrigo Gomes Casanova Júnior por meio de ligações telefônicas, e-mails e de seu advogado, mas não obteve uma manifestação do engenheiro”, explica a reportagem.
Ao longo dela, fotografias de obras executadas pela Construservice na cidade de Imperatriz (MA), que desde 2019 executou obras em “Goiás, Ceará, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte e no Distrito Federal”. Elas possibilitam que tenhamos noção da qualidade e servem de alerta para as autoridades locais, e em especial, cidadãos pedreirenses donos dos R$ 5.916.730,30. Verba pública que vai parar no bolso da construtora suspeita.