“Tenho fé e acredito na força de um professor”, assim o poeta cordelista Bráulio Bessa iniciava um dos poemas mais lindo que já li sobre os professores, em meus 20 anos de magistério pude presenciar muitas coisas tive experiências lindas, encantantes, desafiadoras, problemáticas e muitas, muitas outras amargas.
Apesar do dia 15 de outubro ser uma data comemorativa, criada oficialmente em 1948 por um projeto de lei de Antonieta de Barros (professora e a primeira mulher negra a se tornar uma parlamentar no Brasil), muito pouco temos a comemorar. Em nosso país ser professor é antes de mais nada um ato de resistência, não apenas em prol de uma profissão, mas como uma luta constante por uma Educação digna, de qualidade e libertadora.
Na Carta Magna Federal de 1988, artigo 206, inciso V, define-se a previsão de que o ensino deverá ser ministrado com base na valorização dos profissionais da educação escolar, contudo nos últimos 4 anos os ataques à nossa profissão (que sempre existiram) deixaram de ser velados e passamos a ser publicamente chamados de parasitas, vagabundos, preguiçosos, além é claro de inábeis, já que nossas escolhas ocorrem apenas pela incapacidade de encontrar trabalhos em outras áreas digamos mais dignas? Infelizmente a falta de respeito com nossa profissão não se resume aos ataques verbais daqueles que devidos os cargos que exercem deveriam valorizar a educação e seus profissionais.
Nossa Constituição Federal também determina que a valorização destes profissionais é garantida, na forma da lei, pela existência de planos de carreira e ingresso, exclusivamente, por concurso público de provas e títulos. Entretanto, o que vemos é o governo congelando salários, dificultando aperfeiçoamento, impedindo progressões e acelerações funcionais e claro suspendendo concursos públicos. E os ataques não param por aí, agora nos vemos diante de “reformas” que ameaçam pôr fim à estabilidade funcional, para tanto, é preciso colocar a opinião pública contra o servidor estatal e o professorado, daí o porquê de tantos ataques públicos.
Desde o golpe de 2016 o que temos de fato é a construção de um projeto cruel e predador de desmonte da educação pública de nosso país tendo como mote a precarização do trabalho docente escolar. Em trabalho recente de doutoramento em Educação a professora Amanda Moreira[i] analisou o que chamou de a “precarização de novo tipo” do trabalho docente, na qual aponta o precariado professoral – conjunto de professores submetidos à relações de trabalho definidas pelo tempo indeterminado e intermitente, sujeito a salários mais baixos que os professores estáveis, assédio moral, constante ameaça de suspensão dos contratos, que o leva há um estado de medo em se sindicalizar e reivindicar melhorias ou direitos, comumente estes professores contratados trabalham em mais de uma escola para manter sua renda. Enquanto docente contratada da rede privada cheguei a trabalhar em cinco escolas ao mesmo tempo, mais tinha colegas que se desdobravam em seis e até sete escolas, ganhávamos por hora/aula e para manter uma renda mínima submetíamos ao processo de exploração.
Além do primeiro tipo, há o professorado estável-formal – professores concursados que apesar de trabalharem para o Estado, também passam por diversas formas de precarização: congelamento e atraso nos salários, perdas nos planos de carreira, intensificação de horas extras, entre outras.
Durante a pandemia a precarização do trabalho docente tomou proporções inimagináveis e contradizendo o que foi apregoado por determinados políticos, não ficamos em casa sem fazer nada, muito pelo contrário, nossa jornada de trabalho multiplicou-se, são horas e mais horas em frente a computadores, preparando aulas, slides, videoaulas, dinâmicas, jogos etc. Muitos, assim como eu disponibilizaram números pessoais, passaram a ensinar via redes sociais, mensagens de voz, respondem alunos na madrugada, falam com pais de alunos na hora do almoço, a casa literalmente tornou-se o espaço da escola, que agora concorre com filhos, mães, maridos, animais, vizinhos…
A professora Mãe, que tinha na escola a parceira para cuidar de seu filho, enquanto ela mesma trabalhava, também perdeu esse apoio. Diversos professores tiveram que investir em aparelhos e tecnologias para que o ensino remoto fosse dado a contento e nesse aspecto não houve nenhum auxílio e muito menos reconhecimento.
Mas nós somos a classe de trabalhadores que não se pode dá ao luxo desistir… E mesmos cansados, exaustos e desrespeitados continuamos…
Somos, talvez a classe que mais estuda, que mais se prepara, que mais se preocupa com o futuro… É claro que sempre haverá as exceções, mas elas não são a maioria!
A maioria dos professores, lutam e militam por aquilo que acreditam. Militam por uma educação libertadora, que vai muito além de ensinar os conteúdos históricos, culturais e científicos acumulados durante séculos pela humanidade. Não! Nossa função vai mais longe, não é a de mera reprodução, mas sim a de construção e defesa da Ciência, da Cultura e da História e está não nos negará.
O conhecimento cientifico, os métodos de pesquisas, os debates fundamentados e questionadores dos tabus são e continuarão fazendo parte do processo de ensino-aprendizagem enquanto houver um professor que desafia o obscurantismo dos e produtores de Fake-News e de pseudo-filósofos espalhados pelo mundo.
Nosso papel está em preservar o que a humanidade fez de melhor e também não esquecer o que ela fez e faz de pior. O Luto é para nós verbo, pois nosso trabalho é luta, substantivo feminino, é como diz o poeta Bessa:
A luta por igualdade
A luta contra o racismo
Contra o preconceito burro
Homofobia, machismo
A luta pelo respeito, de quem tem amor no peito
É a luta do educador, por um
mundo mais bonito.
Ser professor é um ato político, talvez por isso sejamos tão perseguidos, talvez por isso nossos inimigos estejam no poder tentando a todo custo precarizar nosso ofício, reduzindo-nos a apêndice de algorítmicos, da Inteligência Artificial, das plataformas de ensino remoto, passando a falsa de ideia de que qualquer um, ou qualquer site pode lecionar.
Mas não se enganem a educação não se faz ligando botões, assistindo vídeos prontos, colocando palavras-chaves em sites buscadores. A educação se faz no processo interativo, na troca de experiências, nas motivações ouvidas, nas repreensões aprendidas, nos erros apontados e nos acertos exaltados.
A educação se faz no contato, na representatividade, na construção da identidade no processo dialógico de educador/educando e educando/educador.
Há 20 anos EU ESCOLHI ser Professora, não foi porque não consegui outro emprego, foi uma decisão política, me preparei e continuo me preparando constantemente para exercer minha profissão da melhor maneira possível e assim eu tento ser a professora que eu gostaria de ter! Aprendi que ensinar (e principalmente ensinar História) é também inspirar pessoas… É esperançar o futuro. É lutar por dias mais justos, por igualdade e por equidade e ainda que não possamos viver esses dias é plantar semente para que um dia alguém os viva.
Então sigamos como diz o poeta, pois assim como ele “Eu tenho fé e acredito na força do professor”
Evoeh
Por Nila Michele Bastos Santos, Historiadora, Psicopedagoga, Especialista em Formação de Professores. Mestra em História Social pela Universidade Federal do Maranhão. Doutoranda em História pela Universidade Estadual do Maranhão. Professora do Instituto Federal do Maranhão IFMA – Campus Pedreiras. Coordenadora Geraldo NEABI – IFMA / Campus Pedreiras e do LEGIP – Laboratório de estudos em Gênero do Campus Pedreiras. Instagram: @nilamichele
[i] A tese de doutoramento da professora Amanda está disponível em: https://ppge.educacao.ufrj.br/teses2018/tAmanda%20Moreira%20da%20Silva.pdf